Nascido em meio à segregação racial do sul dos Estados Unidos, Bill Russell teve uma infância e juventude marcada por desafios pessoais e preconceitos que moldariam seu caráter. William Felton Russell veio ao mundo em 12 de fevereiro de 1934, na pequena cidade de Monroe, na Louisiana. Ainda criança, ele presenciou o terror racial que cercava sua comunidade – histórias de violência do grupo supremacista Ku Klux Klan e discriminação eram parte do cotidiano. Certa vez, seu avô expulsou homens da Klan a tiros de espingarda quando vieram atacá-lo em casa, um raro exemplo de resistência bem-sucedida que virou “lenda” local. Essas experiências iniciais ensinaram Russell e sua família a resistir com coragem.
“Meu avô nunca contou como foi esperar, sozinho no escuro, por homens determinados a matá-lo,” escreveu Russell anos depois, “mas todos ríamos aliviados ao lembrar do momento em que a Klan fugiu correndo”.
Mudança para a Califórnia e Valores Familiares
No início dos anos 1940, em plena Grande Migração afro-americana, a família Russell decidiu deixar o sul segregado em busca de uma vida melhor. Em 1942, quando Bill tinha 8 anos, eles se mudaram de Monroe para West Oakland, na Califórnia. Seu pai, Charles “Charlie” Russell, conseguiu trabalho nos estaleiros navais de Oakland durante a Segunda Guerra Mundial, parte do esforço de guerra que abriu oportunidades para muitas famílias negras no oeste. A mudança não foi apenas geográfica – era uma tentativa de escapar das rígidas leis de segregação e da violência racial do sul.
Em Oakland, a família Russell morou em um bairro operário de maioria negra. Embora a Califórnia não tivesse a segregação explícita da Louisiana, Bill ainda enfrentou preconceitos e pobreza. A criação dada por seus pais, contudo, o ajudou a perseverar. Katie Russell, sua mãe, enfatizava a importância da educação e sonhava em ver o filho ingressar na faculdade. Charlie, seu pai, por sua vez, tornou-se o alicerce de Bill após uma tragédia familiar: em 1946, quando Russell tinha 12 anos, sua mãe faleceu subitamente devido a uma doença. Na viagem de trem de cinco dias de volta à Louisiana para o enterro, Bill deitou no colo de uma amiga da família, chorando a perda irreparável. Charlie então orientou o filho a ser forte diante da adversidade – um conselho duro, mas que Bill adotou para si pelo resto da vida. Esse senso de responsabilidade e resiliência foi reforçado pelas lições do pai. Muitos anos depois, Russell relembrou as histórias de Charlie enfrentando humilhações racistas com dignidade. Numa dessas histórias, seu pai ficou sem gasolina na estrada e dois brancos armados o obrigaram a correr sob a mira de um revólver; Charlie conseguiu escapar saltando numa vala. Mais tarde, ele contava esse episódio fazendo humor: gritara até para as cobras saírem do caminho enquanto corria, o que fazia todos rirem. Essa capacidade de Charlie de manter a honra e o orgulho mesmo sob ataque deixou uma impressão profunda em Bill.
Sob a tutela do pai, Bill mergulhou nos estudos e nos livros como refúgio após a morte da mãe. Mas, além da educação formal, Oakland lhe proporcionou mentores comunitários. No centro recreativo do DeFremery Park, figuras como Dorothy Seale Pitts e George Scotlan orientaram o jovem a canalizar sua energia para atividades positivas. Russel aprendeu no bairro de West Oakland que era preciso lutar por dignidade e respeito, “nunca recuando diante de nenhum desafio”, fosse numa briga ou diante de insultos. Esse espírito combativo, temperado pela disciplina que Charlie incutiu, preparou Bill para encarar os obstáculos que viriam.
“Quando nos mudamos para os projetos, minha mãe estava organizando tudo. Eu estava sentado nos degraus e cinco garotos passaram correndo; um deles me deu um tapa. Fui contar à minha mãe. Ela pegou as chaves e me levou para procurar os garotos. Quando os encontramos, ela disse: ‘Você vai lutar com cada um deles, um por um’. Lutei com os cinco, perdi três e ganhei dois. Voltei para casa chorando, e ela disse: ‘Não chore. Você fez o que deveria fazer. O importante é que você se defendeu. Sempre se defenda.’”
Primeiros Contatos com o Basquete
Ao chegar à adolescência, Bill Russell era um garoto alto, tímido e desengonçado – longe de ser um prodígio no basquete. Ele começou a praticar o esporte relativamente tarde. Na Herbert Hoover Junior High School, chegou a ser cortado do time de basquete por falta de habilidade básica. Entretanto, Russell já era um corredor e saltador talentoso nas competições de atletismo, o que indicava seu potencial físico excepcional. Com quase 2 metros de altura após um estirão de crescimento, ele decidiu dar ao basquete uma nova chance ao entrar no ensino médio.

Aos 15 anos, Bill ingressou na McClymonds High School, em Oakland – uma escola pública conhecida como “Escola dos Campeões” devido à quantidade de atletas de elite formados lá. Não foi fácil para ele no início. No penúltimo ano (Junior year), Russell fez parte do time júnior, mas era considerado um jogador mediano e quase foi cortado novamente do elenco principal. Felizmente, um treinador enxergou algo especial naquele jovem magro. George Powles, técnico em McClymonds, decidiu não desistir de Bill. Powles era inusitadamente aberto a novas ideias – apesar de ser técnico principalmente de beisebol e futebol americano, ele não tinha preconceitos sobre a forma “certa” de jogar basquete. Com paciência, ele ensinou fundamentos a Russell e o encorajou a se dedicar aos treinos individuais. Bill abraçou o desafio: passou a estudar os movimentos de pés e posicionamento defensivo dos outros jogadores, treinando saltos e marcação como ninguém. Desenvolveu, por conta própria, a estratégia incomum de bloquear arremessos saltando verticalmente, algo pouco visto na época.
Powles teve um impacto tremendo na confiança do jovem. “George Powles, fora meu pai, foi a pessoa mais influente da minha vida”, diria Russell depois, reconhecendo o valor daquele mentor. Sob a tutela de Powles, Bill melhorou rapidamente. No último ano do colegial (senior year), ele cresceu até atingir cerca de 2,06m de altura e ganhou agilidade. Ainda assim, começou a temporada no banco de reservas. A McClymonds High School tinha um dos melhores times de basquete do estado – conhecidos como Warriors – e Russell mal entrava em quadra. Determinado a contribuir de alguma forma, Bill encontrava maneiras de motivar os colegas: ele se voluntariou até para ser mascote do time, criando uma rotina animada de dança que entretinha a torcida nos intervalos. Foi sua forma de permanecer próximo do esporte enquanto aguardava uma chance de jogar.
Ascensão em Quadra e Superação Pessoal
A oportunidade para Russell brilhar veio gradualmente. Com muita persistência nos treinos e graças à sua altura e impulsão fora do comum, Bill começou a causar impacto nos jogos intercolegiais. Seus arremessos ainda eram irregulares, mas na defesa ele fazia a diferença – pegava todos os rebotes e distribuía tocos impressionantes nos adversários. Logo, ninguém saltava mais alto que ele. Quando finalmente ganhou vaga de titular, Russell ajudou McClymonds a conquistar vitórias importantes.

Esta matéria é parte
de um especial sobre
a vida e a carreira de
Bill Russell.
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O resultado desse esforço apareceu no momento mais importante: Bill Russell conduziu McClymonds a dois títulos consecutivos do campeonato estadual da Califórnia (prep championships). Entre 1951 e 1952, a “Escola dos Campeões” honrou seu apelido graças, em grande parte, ao intimidante pivô defensivo que Russell se tornara. Infelizmente, Katie, sua mãe, não viveu para testemunhar essas conquistas do filho. Mas Charlie, orgulhoso, viu Bill não apenas erguer troféus, como também se formar no colegial – algo que muitos jovens negros de sua geração não conseguiam devido às dificuldades da época.
Mesmo com os títulos estaduais e um desempenho excepcional na defesa, Russell não recebeu a atenção que merecia dos recrutadores universitários. Nos primeiros anos da década de 1950, o preconceito ainda limitava as oportunidades para atletas negros em muitas universidades dos EUA. Bill, apesar de campeão estadual, foi ignorado por várias faculdades simplesmente por ser negro. Ele não aparecia nas listas dos prospectos mais cobiçados, que frequentemente favoreciam jogadores brancos de escolas mais tradicionais.

Ainda assim, uma universidade acreditou em seu potencial: a Universidade de San Francisco (USF), uma pequena instituição jesuíta na Costa Oeste, ofereceu a Russell a única bolsa de estudos que ele recebeu. Era a chance que Bill esperava para realizar o sonho de sua mãe e, de quebra, mostrar seu valor no cenário nacional. Com a autoconfiança forjada em tantas provações, o jovem aceitou a oferta e partiu rumo a San Francisco. Estava encerrada ali a fase de infância e juventude de Bill Russell – uma jornada de perseverança, aprendizados e superação de barreiras pessoais e raciais que pavimentou seu caminho para a lenda do basquete.
Acompanha a trajetória de Bill Russell:
– A Carreira Universitária