O ingresso de Bill Russell na Universidade de San Francisco (USF) marcou o início de uma carreira universitária histórica, repleta de conquistas esportivas e significado social. Em 1952, quando chegou ao campus da USF, Russell ainda era visto como um azarão. Ele vinha de uma escola pública de Oakland e fora pouco recrutado por outras universidades, em parte por causa do racismo ainda vigente no esporte universitário da época.
Mas a USF – uma instituição progressista da Costa Oeste – apostou no potencial daquele pivô alto, atlético e determinado. Logo ficaria claro que essa aposta renderia frutos espetaculares. Bill Russell transformou-se na alma do time de basquete dos USF Dons, liderando-os a feitos sem precedentes e abrindo caminho para a integração racial nas quadras.
Chegada à USF e Impacto Imediato
Russell aproveitou a oportunidade na USF com a mesma dedicação intensa que mostrara no fim do colegial. Já em seu primeiro ano (como calouro, em que atuava apenas pelo time Freshman devido às regras da NCAA na época), ele impressionou com médias superiores a 20 pontos por jogo. Com 2,06 m de altura e cerca de 98 kg, Bill unia o porte de pivô à velocidade de um ala, o que era incomum. Ao ingressar no time principal dos Dons, sob o comando do técnico Phil Woolpert, Russell rapidamente se tornou o centro (literal e figurativamente) da equipe. Sua presença defensiva mudou o patamar do time: seus rebotes e tocos passaram a definir jogos, permitindo contra-ataques e dando confiança aos companheiros.
O lendário técnico adversário John Wooden, da UCLA, chegou a declarar na época que Russell era “o melhor homem de defesa que já vi” em uma quadra de basquete. De fato, Bill redefiniu a maneira de jogar defesa, estabelecendo um novo padrão de excelência nos fundamentos defensivos.

Parceria Lendária com K.C. Jones e Inovação em Quadra
No ataque, embora não fosse o jogador mais habilidoso tecnicamente, Russell contribuiu com pontuações sólidas graças a sua impulsão e intensidade. Ao longo de sua trajetória universitária (1953–1956), ele acumulou médias de 20,7 pontos e 20,3 rebotes por jogo, fechando a carreira universitária com 1.606 pontos no total – números impressionantes que refletiam sua dupla dominância em marcar pontos perto da cesta e apanhar rebotes em profusão. A combinação de agilidade, alcance e inteligência de jogo de Russell tornava os Dons um time formidável. Logo, a USF deixou de ser uma desconhecida no cenário do basquete para tornar-se candidata ao título nacional.
Bill Russell não brilhava sozinho. Em San Francisco, ele formou uma parceria inesquecível com outro talentoso jogador: K.C. Jones, um armador habilidoso e feroz na defesa, que mais tarde também seria seu colega de equipe nos Celtics. Jones ingressou na USF na mesma época e juntos eles desenvolveram uma química notável em quadra. Enquanto Russell protegia os aro e dominava os rebotes, K.C. comandava o perímetro, roubando bolas e iniciando contra-ataques.
Os dois amigos elevaram o jogo coletivo a outro nível e chegaram até a inovar jogadas. Há quem credite a Russell e K.C. Jones a popularização de uma hoje famosa artimanha ofensiva: o alley-oop (ponte aérea). Consistia em um passe alto próximo à cesta que Russell, com sua impulsão, agarrou no ar para finalizar – algo raro naquele tempo.
Não há documentação oficial de quem “inventou” o alley-oop, mas muitos sites históricos apontam que os primeiros lances desse tipo vieram da dupla Russell-Jones na USF, nos anos 1950. Verdade ou não, o certo é que a sintonia entre eles confundia os adversários. Essa parceria dinâmica dos Dons antecedeu a era dos vídeos e mídias esportivas modernas, o que nos deixa apenas para imaginar o espetáculo que proporcionavam – K.C. levantando a bola e o quase sete-pés Russell cravando acima do aro, para delírio da torcida. Juntos, Russell e Jones construíram uma base vencedora que os levaria a conquistas incríveis tanto na NCAA quanto futuramente na NBA.
Vale notar que o técnico Phil Woolpert também foi audacioso ao aproveitar ao máximo seus dois craques. Em uma época em que prevalecia um acordo velado conhecido como “gentlemen’s agreement”, pelo qual equipes não alinhavam mais que dois jogadores negros simultaneamente, Woolpert ignorou esse racismo institucional. A USF entrou para a história ao ser o primeiro grande time universitário a começar três jogadores negros como titulares – Russell, K.C. Jones e Hal Perry – ao lado de dois jogadores brancos (Mike Farmer e Carl Boldt). Essa decisão ousada mostrou-se acertada dentro e fora de quadra. O entrosamento do grupo era excelente, e o próprio Russell reconheceu mais tarde a importância desse gesto inclusivo do treinador.
Bicampeonato da NCAA e Dominância Nacional
A consagração de Bill Russell na universidade veio nos campeonatos nacionais (NCAA Tournaments). Em 1955, no seu terceiro ano, ele levou os USF Dons ao título da NCAA, derrotando na final a forte equipe de La Salle, que era a atual campeã nacional. Foi uma partida emblemática: Russell anotou 23 pontos, “eu joguei no melhor time do mundo, e derrotamos o melhor time que já enfrentamos”, declarou Bill após a suada vitória sobre La Salle. Seu colega K.C. Jones também brilhou naquela final, marcando 24 pontos e anulando o principal pontuador adversário.
A atuação dominante da dupla consolidou a USF como potência. No ano seguinte, 1956, Russell repetiu a dose: comandou a USF em mais uma campanha vitoriosa até conquistar o bicampeonato nacional da NCAA, desta vez vencendo o time da Universidade de Iowa na final (Bill contribuiu com 26 pontos e 27 rebotes nessa decisão).
A superioridade dos Dons era tamanha que o time emendou uma sequência impressionante de 60 vitórias consecutivas entre 1955 e 1956 – um recorde na época. Bill Russell tornara-se uma lenda do basquete universitário: foi eleito duas vezes Jogador do Ano por premiações como a Helms Foundation e recebeu honrarias em todos os torneios que disputou. Sua combinação de liderança e performance rendeu-lhe um status quase mítico na mídia esportiva colegial. As revistas estampavam o alto pivô de San Francisco que mudava o jogo com defesa e raça. “O Babe Ruth do basquete”, anunciou um locutor ao ver Russell acumular 26 pontos e 27 rebotes em uma partida, comparando seu impacto ao do lendário jogador de beisebol.
Para Russell, porém, mais importante que os prêmios individuais era o espírito de equipe e o que aquele grupo significava. “Joguei no melhor time do mundo”, afirmou após o primeiro título nacional, enfatizando o coletivo acima do eu. A USF não era uma universidade tradicionalmente poderosa no esporte, mas com Russell, Jones e cia., entrou para a história como um dos maiores times universitários de todos os tempos. Décadas mais tarde, listas ainda colocariam aquele esquadrão dos Dons entre os melhores da história do basquete universitário. E Bill Russell, seu eixo, seria lembrado como um dos pilares dessa grandeza.

Esta matéria é parte
de um especial sobre
a vida e a carreira de
Bill Russell.
Conheça o legado deste astro no link abaixo
Barreiras Raciais e Legado na Universidade
Embora a trajetória dentro de quadra fosse dourada, Russell e seus colegas negros enfrentaram grandes adversidades fora das linhas durante a carreira universitária. Em turnês e jogos fora de casa, especialmente em regiões menos receptivas à integração, o time da USF lidou com discriminação.
Em 1954, por exemplo, durante um torneio em Oklahoma City, os hotéis locais recusaram hospedagem aos jogadores negros da USF por causa da segregação racial vigente. Ao saber disso, todo o time – brancos e negros – se recusou a ficar no hotel que praticava segregação e, em solidariedade, foi junto para um alojamento improvisado em um dormitório universitário nas proximidades. Essa atitude de união marcou Russell. Mesmo jovem, ele já entendia que estava jogando por algo maior que troféus – havia um componente de justiça social e igualdade em jogo.
Os insultos racistas vindos de torcidas e até de alguns oponentes também ocorriam, mas Bill adotou uma postura firme. Essas experiências “o endureceram e ele recusou se ver como vítima”, explicou Russell posteriormente, preferindo responder com performance dominante e dignidade em vez de rancor.
“O racismo não é uma nota de rodapé da história — e sim uma realidade cotidiana para milhões de americanos. Eu vi uma multidão protestar do lado de fora da casa onde minha esposa e eu morávamos, simplesmente porque éramos negros. Eles quebraram nossas janelas e picharam palavras de ódio nas paredes. A polícia foi chamada, mas não fez nada. Isso não aconteceu em 1860. Aconteceu em 1960. E continua acontecendo.”
— Bill Russell, The Players’ Tribune (2020)
A postura de Russell em lutar contra o racismo com excelência esportiva e coragem moral se tornaria uma marca registrada ao longo de sua vida. Na própria USF, seu sucesso ajudou a pavimentar o caminho para que outras instituições começassem a abandonar preceitos discriminatórios. O fato de um time com três titulares negros ser bicampeão nacional invicto desafiou preconceitos e mostrou, na prática, que a diversidade só fortalecia o esporte. Esse legado universitário de Bill Russell transcende as estatísticas.
Ele e seus companheiros provaram que mérito e trabalho em equipe não conhecem cor, inspirando futuras gerações de atletas. Não por acaso, décadas depois, a camisa número 6 de Russell foi aposentada pela Universidade de San Francisco, em reconhecimento não apenas ao impacto em quadra, mas também ao impacto social de sua passagem pela instituição.
Convocação Olímpica e Despedida da USF

Em 1956, após conquistar tudo que podia no basquete universitário, Bill Russell despediu-se da USF da melhor forma possível: com uma convocação para a Seleção Americana de Basquete. Ele foi escolhido para representar os Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Melbourne, a serem realizados no final daquele ano. Russell não só integrou como capitaneou a equipe olímpica dos EUA, assumindo a liderança natural graças ao seu currículo vencedor e personalidade competitiva. Ao lado de seu fiel escudeiro K.C. Jones (que também foi selecionado para o elenco olímpico), Russell rumou à Austrália trazendo ao torneio a mesma ferocidade defensiva e espírito vencedor demonstrados na USF.
Como era de se esperar, nos Jogos de 1956 a dupla da USF brilhou no palco internacional. Os Estados Unidos dominaram a competição, vencendo seus adversários por placares elásticos – média de 53 pontos de vantagem por jogo, um verdadeiro atropelo. Bill Russell, então com 22 anos, coroou sua carreira amadora conquistando a medalha de ouro olímpica em dezembro de 1956.
A final foi uma vitória tranquila dos EUA sobre a União Soviética, consolidando o favoritismo americano. Subir ao pódio olímpico foi o grand finale da fase universitária de Russell, colocando um ponto de exclamação em seu currículo antes de ingressar no basquete profissional.
Ele se tornou, assim, um dos raros atletas a conquistar o “triplete” do basquete: campeão nacional universitário, campeão olímpico e (como se veria adiante) campeão da NBA. Esse feito o insere em um seleto grupo de lendas do esporte que triunfaram em todos os níveis.

Bill Russell despediu-se da USF como herói do esporte universitário americano. Dois títulos da NCAA, uma sequência de vitórias históricas, estatísticas individuais impressionantes e uma medalha de ouro olímpica compõem o legado deixado por ele na transição da faculdade para o profissional. Mais do que isso, Russell saiu de San Francisco tendo quebrado barreiras e afirmado princípios. Seu sucesso pavimentou o caminho para maior inclusão e mostrou a muitos o poder do trabalho em equipe multirracial.
Em 1956, com o diploma em mãos e o ouro olímpico no peito, Bill Russell estava prestes a iniciar o próximo capítulo de sua jornada – aquele que o consagraria definitivamente como uma lenda do basquete mundial, ao liderar a maior dinastia da história da NBA. Mas essa já é outra história, que começaria quando ele vestisse a camisa verde do Boston Celtics. Na Universidade de San Francisco, ficava o exemplo inspirador de excelência esportiva e integridade deixado por um jovem que transformou obstáculos em motivação e lançou as bases de um legado imortal no basquete.
Acompanha a trajetória de Bill Russell:
– Infância e Adolescência