Bill Russell em Palavras: A Voz do Gigante Que Mudou o Mundo
Imagine poder sentar em uma poltrona, abrir um livro e ouvir, com os olhos, a voz de um dos maiores nomes da história do esporte. Bill Russell não foi apenas um gigante do basquete. Foi também um arquiteto de ideias, um narrador de vivências brutais e sutis, um escritor cuja caneta era tão precisa quanto seus bloqueios. Neste artigo, queremos explorar esse outro lado de Russell — o autor, o cronista da própria vida, o pensador inquieto e corajoso.
Cada livro de Russell é uma lente diferente sobre sua jornada: de menino no sul segregado à lenda imortal de Boston, passando pelo ativista, pelo filho, pelo capitão, pelo homem. Mais do que vitórias e estatísticas, suas palavras nos conectam com sua alma.
Go Up for Glory (1966)

Há algo de cru, quase urgente, em Go Up for Glory. É o livro de um homem que ainda está em guerra — com o mundo, com o país, talvez consigo mesmo. Escrito quando Bill Russell ainda estava jogando — e vencendo — pelo Boston Celtics, este livro é menos uma autobiografia clássica e mais um desabafo direto do campo de batalha.
Russell tinha apenas 32 anos quando o publicou, mas já era dono de uma história que pesava como se fossem cem. Ele fala de infância e juventude no sul segregado, de mudanças abruptas, da dor da perda precoce da mãe, e do impacto de ser um jovem negro em um mundo que insistia em negá-lo. Mas o que mais chama atenção é a maneira como ele narra tudo isso: sem floreios, sem filtros, como se estivesse olhando nos nossos olhos.
Em um dos trechos mais marcantes, Russell escreve sobre um episódio em que seu avô enfrentou a Ku Klux Klan de espingarda em punho:
“Ele nunca contou como foi esperar, sozinho no escuro, por homens determinados a matá-lo. Mas todos ríamos aliviados ao lembrar do momento em que a KKK fugiu correndo.”
O riso que emerge dessa lembrança não é cômico. É sobrevivência. É o riso que cobre o trauma, que esconde a tensão no peito — algo que permeia todo o livro.
Em Go Up for Glory, Russell ainda está descobrindo o próprio poder narrativo, mas já demonstra domínio do que mais importa: a verdade. Mesmo quando fala de vitórias esportivas, ele se recusa a romantizar. Quando discute racismo, não alivia. Quando reflete sobre sua imagem pública, é cáustico:
“Eles aplaudem o jogador, mas não me convidam para jantar.”
O livro antecipa, com quase 60 anos de antecedência, discussões que hoje estão no centro do debate racial. A leitura causa incômodo. E precisa causar. Russell não queria conforto. Queria consciência.
Para os leitores de hoje, Go Up for Glory é mais do que o retrato de uma época: é um manifesto íntimo de alguém que ousou existir por inteiro, mesmo quando o mundo só aceitava uma parte sua.
Second Wind: The Memoirs of an Opinionated Man (1979)

Treze anos depois, Bill Russell volta ao papel de cronista de si mesmo — mas agora com a serenidade de quem já viu o topo e os abismos. Second Wind não é uma continuação de Go Up for Glory, é quase seu espelho maduro. Aqui, Russell se apresenta como um homem que sobreviveu à pressão da lenda e decidiu repensar tudo: a fama, a masculinidade, o sucesso e até a própria memória.
O livro, escrito com Taylor Branch (futuro autor da monumental biografia de Martin Luther King), já começa com uma provocação no subtítulo: The Memoirs of an Opinionated Man. E ele realmente é. Russell escreve com liberdade. Em alguns momentos, quase com poesia. Em outros, com ironia cortante. É como se estivesse sentado com o leitor na varanda, falando pausadamente, mas com densidade.
Há passagens memoráveis em que ele discute o sentimento de ser “usado” pelo sistema que o reverenciava na quadra e o ignorava fora dela. Em uma das mais impactantes, Russell diz:
“Ser negro em Boston era como jogar todas as noites para uma plateia que só te aplaude quando você está vencendo. Fora disso, você é só mais um a ser vigiado.”
Esse Russell de Second Wind é mais introspectivo. Ele fala do relacionamento com os filhos, da relação complexa com a imprensa, dos dilemas internos ao tentar conciliar o ativismo com a vida pessoal. Fala da dor de não se sentir aceito nem pelos brancos nem, às vezes, pelos próprios negros que o viam como “diferente demais”.
É neste livro também que Russell expande seu papel como pensador. Ele fala sobre ética, lealdade, integridade, e faz reflexões que vão além do basquete. A quadra, aqui, é só pano de fundo para questões maiores:
“Ganhar não prova nada. Como você ganha — e o que está disposto a sacrificar por isso — é o que define quem você é.”
Second Wind é, talvez, seu livro mais equilibrado. Não há raiva em excesso, mas também não há conciliação forçada. Há maturidade. Há dor processada. Há um convite à introspecção. É um livro que faz pensar — e isso é raro, mesmo entre grandes autobiografias esportivas.
Para quem quer conhecer o Bill Russell por trás da lenda, este é o livro que mais se aproxima do homem completo.
Russell Rules: 11 Lessons on Leadership (2001)

Russell Rules é o livro mais direto e pragmático de Bill Russell. Ele não conta histórias apenas por contar — ele extrai delas princípios. E o faz com a autoridade de quem venceu 11 títulos da NBA, lidou com egos, enfrentou racismo, liderou vestiários e ergueu troféus. Mas acima de tudo, liderou homens.
Neste livro, Russell compartilha 11 lições que, segundo ele, moldaram sua visão de liderança. E não são fórmulas enlatadas de palestrante de autoajuda. São verdades lapidadas em suor, dor e dignidade. Ele fala sobre coragem moral, escuta ativa, consistência, visão coletiva e confiança. Tudo permeado por vivências reais — dentro e fora das quadras.
“A verdadeira liderança não se impõe. Ela se conquista por quem você é, não por quem você finge ser.”
Russell conta como liderava sem gritar, como sabia o momento de silenciar, como conquistava o respeito de companheiros sem precisar humilhar adversários. Há um capítulo em que ele fala sobre Red Auerbach e como a confiança mútua entre eles foi o alicerce de um império esportivo. Outro capítulo é quase uma aula de humildade, onde Russell explica por que nunca se sentia confortável sendo chamado de herói.
O tom do livro é mais didático, mas não perde profundidade. É como se Bill tivesse acumulado décadas de experiência, e agora decidisse transmitir a essência disso a um jovem que acabasse de entrar num time — ou numa empresa, ou numa causa. Porque sim, Russell Rules vale tanto para esportistas quanto para líderes em qualquer área.
O mais bonito é que o livro não tem um pingo de arrogância. Russell se vê como alguém em constante aprendizado. Ele ensina, mas também se expõe. Compartilha erros. Reconhece limites. E por isso mesmo, inspira.
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Red and Me: My Coach, My Lifelong Friend (2009)

Se Russell Rules é um compêndio de liderança, Red and Me é uma carta de amor. Amor entre dois homens que se reconheceram para além da cor da pele, da fama, das vitórias. Russell e Red Auerbach construíram uma amizade que desafiava padrões de época — um técnico branco judeu e um pivô negro, unidos por respeito e admiração verdadeira.
O livro é sensível, quase íntimo. Russell narra histórias de bastidores, viagens, provocações engraçadas, silêncios significativos. Mas também relata momentos decisivos, como quando Red o escolheu como técnico dos Celtics — o primeiro técnico negro da história da NBA. Era mais que um gesto: era confiança pura.
“Ele acreditava em mim antes que eu acreditasse em mim mesmo.”
A cada página, percebemos como Red foi mais que um treinador: foi um espelho, um aliado, um farol. E Russell, por sua vez, soube retribuir esse afeto com lealdade absoluta.
O livro tem humor, tem melancolia, tem gratidão. É quase como ouvir Bill contar histórias sobre seu melhor amigo enquanto folheia um álbum de fotos envelhecidas. É tocante porque não é perfeito — é humano.
Em Red and Me, Russell mostra que a grandeza também se mede pelo carinho com que cuidamos das memórias. Ao fim da leitura, a amizade entre os dois nos parece ainda maior que os 11 títulos que conquistaram juntos.
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Neste próximo artigo exploramos os livros escritos por outros autores que investigam a grandeza de Bill Russell — e como eles completam esse legado que começa com suas próprias palavras.